19 de jul. de 2016

WhatsApp e a República das Bananas

Pela terceira vez neste ano o WhatsApp, aplicativo de mensagens instantâneas mais utilizado pelos brasileiros, tem sua plataforma bloqueada por decisões estapafúrdias do judiciário, tomadas por pessoas que, claramente, não entendem absolutamente nada sobre como a tecnologia funciona.
Agora foi a vez da juíza Daniela Barbosa, do Rio de Janeiro. Segundo ela o Facebook, detentor do aplicativo, foi notificado para interceptar mensagens que seriam utilizadas em uma investigação policial e os contatos foram respondidos, nas palavras da juíza, da seguinte forma:
[...] respondeu através de e-mail redigido em inglês, como se esta fosse a língua oficial deste país, em total desprezo às leis nacionais, inclusive porque se trata de empresa que possui estabelecida filial no Brasil e, portanto, sujeita às leis e à língua nacional, tratando o país como uma 'republiqueta' com a qual parece estar acostumada a tratar”
Bom, talvez realmente sejamos uma republiqueta do modo como decisões sem base em nenhum conhecimento técnico são tomadas.
O WhatsApp já explicou inúmeras vezes que sua encriptação é realizada de ponta a ponta, ou seja, a mensagem que passa através dos servidores está codificada e não poderia ser interpretada, mesmo que pudesse ser interceptada. Esta codificação só é desfeita no momento em que a mensagem chega ao seu destinatário e fica armazenada apenas no aparelho dos envolvidos na mensagem.
Além disto o WhatsApp não guarda dados em seus servidores, mesmo encriptados.
Aí os defensores da soberania nacional podem falar: "mas não foi o WhatsApp que criou a codificação? Então eles podem descodificar e simplesmente não querem atender a justiça brasileira!"
Na verdade este é um mito completamente errado. Eu não sei qual a criptografia que o WhatsApp usa, mas mesmo a anos atrás uma forma muito segura de encriptar mensagens era utilizando chaves públicas e privadas geradas automaticamente pelo sistema. Como estas chaves eram geradas de forma aleatória pelo sistema, mesmo os inventores do sistema não eram capazes de descodificar as mensagens sem ter as chaves de acesso.
Se o WhatsApp utilizar algo minimamente similar a isto, realmente ele não tem condições de descodificar coisa alguma, mesmo que juízes batam o pé e dêem piti.
Agora, apenas para efeito de exercício mental, imaginemos um mundo em que fosse possível para o WhatsApp criar uma chave mestra hiper-ultra poderosa, capaz de acessar qualquer conversa e transmitir seus dados para a justiça. Mesmo que acreditássemos no sistema e que esta chave somente seria usada em casos importantes determinados pela justiça de forma imparcial, como o WhatsApp iria assegurar, com 100% de certeza, a total e completa impossibilidade desta chave mestra cair em mãos erradas? A resposta é simples: não iria.
Até mesmo o melhor sistema de segurança eletrônico pode, eventualmente, ser burlado e, uma chave mestra como esta colocaria em risco dados pessoais de todos pois alguém mal intencionado poderia ter poderes quase ilimitados na sua vida digital com um acesso como este.
Tim Cook, no recente caso da Apple vs. FBI, se recusou terminantemente a desenvolver uma forma de acessar um iPhone bloqueado que pertenceu a um atirador suicida por considerar o desenvolvimento desta ferramenta o "equivalente eletrônico do câncer". E realmente, eu concordo, ele não estava exagerando.
John Olivier, em seu programa, Last Week Tonight, comentou toda a situação em um excelente resumo para dummies (que deveria ser assistido pelo judiciário brasileiro), que eu reproduzi em um post mais antigo (aqui).

Conclusão: acho que deveríamos derrubar a internet móvel brasileira e voltar a 20 anos atrás quando só tínhamos tijolões. Será que a juíza Daniele aceitaria devolver seu iPhone ou Galaxy em troca de sua decisão?

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